NARRATIVAS DE UM CRIME: A PERSONIFICAÇÃO DO CRIMINOSO E DA VÍTIMA NAS TRAMAS MIDIÁTICAS
Resumo
Não há duvidas de que notícias de crimes vendem jornais. Devido a esse fato, observamos de forma rotineira capas de jornais e revistas que trazem estampadas essas notícias. Principalmente, quando se trata de um crime que pode levar à comoção social ou que envolve pessoas conhecidas nacionalmente. Nesse sentido, a mídia, com o objetivo de apresentar uma cobertura em primeira mão dos fatos, mostra uma visão simplista dos eventos e dos sujeitos que neles estão envolvidos, recriando esses fatos por meio de uma ótica particular. Nesses termos, o que se percebe nesse tipo de cobertura é um pré-julgamento dos sujeitos que são transformados em bandidos e mocinhos por meio das categorias linguísticas que formam as tramas das notícias e reportagens.
Nossa questão principal de investigação será, portanto, analisar como as estruturas linguísticas que compõem essas narrativas personificam esses sujeitos. Para tanto, adotaremos como categoria de análise as ações por eles empreendidas, por meio dos verbos que as expressam, por entendermos conforme Reuter (2007, p. 41) que o "fazer" dos personagens é um dos critérios que contribuem para a clareza do texto, funcionando como instrução de leitura na categorização desses personagens. Defendemos, assim, que a análise de semelhantes processos linguísticos pode nos oferecer importantes pistas sobre as crenças[1] do sujeito produtor textual levando-nos, consequentemente, à identificação de como essas crenças, de forma constitutiva, alimentam e são alimentadas pelas práticas socioideológicas da sociedade.
Com o intuito de observar a manifestação dessas práticas sociais e ideológicas no discurso, compreendendo como a mídia constrói e estabiliza representações sociais, este trabalho se organiza da seguinte forma: em um primeiro momento, apresentamos os pressupostos teóricos e metodológicos que fundamentam nossas análises, definidos nos estudos da Análise Crítica do Discurso (ACD) desenvolvidos por van Dijk. Esse autor, com o objetivo de revelar as relações de poder e ideológicas embutidas no discurso, propõe que ele seja abordado por um quadro teórico-metodológico triangular, que envolve o próprio discurso, a sociedade e a cognição. Nesse sentido, a ACD deve voltar-se não só para a análise das propriedades formais do texto, estabelecendo uma relação entre estas e o meio social no qual o discurso se insere, como também considerar as propriedades cognitivas de produção/compreensão discursivas, consideradas em termos de modelos mentais e conhecimentos socialmente partilhados (cognições sociais). Ainda nesta etapa do trabalho, discorremos sobre a configuração narrativa das matérias jornalísticas e sobre o papel fundamental dessas narrativas na elaboração de nossa compreensão do meio no qual nos localizamos. Desde que nascemos, somos confrontados com narrativas, sejam elas ficcionais ou não, de fundo moralizante ou marcadas pela crítica social. Com o desenvolvimento e expansão dos órgãos de comunicação de massa, nossa convivência com elas se tornou ainda mais próxima, o que nos leva a concordar com Fulton (2005a) quando afirma que num mundo dominado pela mídia impressa e eletrônica, nosso senso de realidade é estruturado por narrativas.
Num segundo momento do trabalho, apresentamos as análises dos trechos presentes nas reportagens, procurando observar, por meio das categorias linguísticas que imprimem ações aos personagens, como a ideologia dos grupos de poder opera na configuração do perfil desses personagens, estabelecendo a coerência narrativa que dá sustentação a uma ótica específica do evento em questão.
[1] As crenças devem ser entendidas enquanto um sistema de compreensão dos eventos, relacionadas àquilo que os grupos sociais acreditam ser verdadeiro.
Referências
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